Autora: Vanessa Neto
Hoje
dancei incontrolavelmente ao ritmo de uma melodia que, na minha vida, nunca se
tinha feito presente. Não foram os dissabores que encheram de lágrimas os meus
olhos, foi antes o desafio da despedida, a minha rotina que no momento estava a
entrar numa caixa chamada passado, onde estaria fechada por tempo
indeterminado.
O
futuro a chamar por mim, desafiando-me a enterrar o passado. Sorrisos,
vivências, paixões, hábitos; era chegada a hora de encher aquela caixa e
desapegar-me dela completamente.
Esta
despedida tinha uma melodia, mãe! Eu não sabia se dançava ao ritmo dela ou se
tampava os meus ouvidos para não ter de vivê-la. Foi um verdadeiro sofrimento,
uma dor que rasgava o meu peito lentamente e nem me deixava respirar
normalmente. Sim, aquele suspiro que dei quando te abracei, foi mesmo por me
ter faltado ar! Eu apenas não te queria preocupar, era muita dor, já bastava a
despedida e o ruído que no momento eu ouvia.
Mas
o bom de todo esse drama, mãe, foi eu ter feito aquilo que me ensinaste desde
pequena : "Conforma-te, que a dor será menor. Aceita o que não podes
mudar e faz disso o teu pilar para crescer ainda mais, escuta a melodia e
deixa-te dançar".
Eu
realmente escutei mãe, no início estava a ser muito estranho, sentia-me um
peixe fora d'água; mas depois tudo se começou a encaixar, quando coloquei por
cima da mesa todas as razões que me fazem cá estar.
Ai! Se essa mesa falasse, mãe! A mesma mesa onde escrevo-te esta carta.
Pude então perceber que é necessário deixar para trás certas coisas em nossas
vidas, para que possamos dar um passo em frente, para que alguma coisa evolua e
possuamos evoluir juntamente. Esse adeus não precisa de necessariamente ser
definitivo, eu diria mais um "até já", mas prefiro chamar de
"adeus" pois não voltarei igual. Não serei a mesma quando me
vires a desembarcar mãe, deste realmente um adeus à tua filha , mimada, que
estava habituada a ter tudo, feito pelos pais e que tinha tudo ao seu alcance.
Eu voltarei mais madura mãe, tornei-me mulher, uma verdadeira mulher eu
diria. Hoje até aquele dinheirinho que eu sempre te pedia todos os santos
dias para comer um gelado, eu junto e guardo-os nas minhas
economias.
A
solidão também ensinou-me muita coisa mãe, mas não te assustes, eu não sou uma
solitária. Tenho amigos, tive até sorte digamos assim, os colegas da
universidade têm sido um grande apoio para mim aqui. Mas aprendi a estar sozinha
e a gostar da minha companhia, sabes? Aprendi a ouvir a minha própria melodia,
escutar o meu coração e deixar-me aprender com tudo aquilo que esta experiência
me tem para ensinar.
Sairei
daqui formada, mais mulher , mais madura e mais humana. Aquela menina que fugia
do quarto quando a luz falhava, já não é a mesma. Hoje ela encara a sua própria
solidão como um verdadeiro espelho, um refúgio talvez, deste mundo tão
barulhento que nunca se cala. Mas para aprender a gostar dela, teria de ser
submetida a tal experiência. Deixar-me dançar em alguma melodia, e assim foi,
deixei-me dançar na melodia de um adeus que hoje faz
de mim essa mulher.