Autora: Vanessa Neto
Sabor amargo, doce sensação. Fica
no ar, esse meio termo de azedume e doçura de uma tremenda solidão
que desfia-se ironicamente e faz com que me deite numa verdade
tão azeda, porém tão pura: a minha realidade. Em mim vejo uma expansão de
sonhos e sentimentos. Tudo está bem entre o ruído das gargalhadas em conversas
com amigos. Nesse momento, ela é apenas uma espectadora, na qual eu
faço questão de mostrá-la a minha "felicidade" perante a vida, para
que quando ela em mim pegar, não seja para sempre, que não me agarre.
Mas seja apenas um toque, um toque assim de leve, como a brisa do
mar toca no meu rosto, assim suavemente. Para que eu a sinta e ela vá
embora imediatamente.
Mas há um desafio constante
entre eu e essa tal de solidão. Eu rio-me sempre, quando os nossos olhares se
cruzam entre as grandes conversas entre rodas de amigos e também outras
vivências. Um sorriso falso, disfarçado, que encobre todo o meu medo de estar
de frente com a minha realidade.
É uma solidão doce, que eu
detesto. Todas as noites, quando chego a casa, dispo-me da força que em
mim carrego, a força que me faz ignorar o amor perdido, que me faz
esquecer que não sou assim tão feliz, e que quando me rio com os meus
amigos, é apenas um momento em que me inibo da minha tristeza.
Sinto-me então sozinha, e ligo
a minha rádio. Esta é demasiado barulhenta, invade o meu silêncio, a minha
solidão que apesar de amarga também sabe ser doce.
Desligo-a então e novamente
sinto a minha doce solidão. Um silêncio tão bom, apenas eu, ela e os meus
pensamentos. Uma doce sensação toma conta de mim e deixo-me finalmente deliciar
com tudo aquilo que penso. Mas ela não espera muito tempo, agarra num
espelho e põe-no a minha frente. Oh! Que solidão essa que tanto detesto.
Nesse espelho eu me revejo! Revelam-se todas as minhas verdades, caiem ao chão,
todas as minhas vestes. Aí! Que solidão insólita!
Ela deixa-me nua e crua na hora
da verdade, desafia-me completamente deixando no ar, a amargura do sabor que é
a minha realidade. Como se estivesse a tirar o lápis que torna
marcante e forte o meu olhar, e a base que esconde as olheiras, por passar
toda a noite a chorar.
Fecho os olhos e tapo o meu
rosto com o meu livro. Abro-o minuciosamente,roçando-o no meu rosto,
enquanto tento esquivar-me daquele espelho.
Abro os olhos paulatinamente e mergulho
profundamente no que leio.
Em silêncio, consigo escapar
dela finalmente.
Dia após dia, tudo se repete.
E fico eu assim,
vivendo uma vida com um toque agridoce.