Autor: Geraldo Gomes
Tenho tido dias fastidiosos. Conversas que minguam em desdém.
Risos sem açúcar. Uma intensa e envolvente serenidade tediosa. Meio que envolto
em cera de abelha sem nunca provar do mel, e aquela coisa a me lambuzar e me
deixar inválido. É assim que sinto o poder absoluto desse sentimento de
não-sentir que me aplaca. É assim: começa pelo miar do gato na cozinha, um
ecoar vibrante que eu sinto nos pelos dos braços e então já estou tomado. Às
vezes não sei se sou eu quem me entrego tão rápido a um sentimento ou sou
entregado por essa força que não conheço a ele. Não sei, sei que sinto. E não
sinto pouco: sinto tanto a ponto de não saber viver. E tento me ser dessa forma
toda disforme. Até mesmo o aborrecimento do que é às vezes não sentir algo me é
intenso porque me vem junto com um desespero que é por si só um
sentimento.
O que me dá paz é saber que por vezes vivencio um estado de graça
que me eleva. A testa brilha dourada numa contemplação de humildade e pureza,
um sentir tão vasto e singelo — mas não simples. É ver desabrochar uma flor e
ali descobrir o mundo todo novo, fluido e com a seiva escorrendo fresca entre
as pétalas. As vistas remetem às copas das árvores sendo invadidas pela luz do
sol e o ar se engrandece num aroma de terra fértil, um útero com a vida prestes
a nascer. E a vida então nasce no vento. Assim, leve... com uma preguiça
sossegada que vai se empurrando com carinho até formar um redemoinho de graça.
E eis que ali naquele silêncio eu sou o tudo e também sou o nada. Respiro o ar
que sou e estou fértil. Vou parir.
Ouço a estática do meu corpo. Meu peito bombeando energia e vida,
a vida sendo transposta em mim mesmo. Sou doado e doo — pertenço a quem faz meu
coração pulsar. Sinto as murmurações do vento, agora, e ele reclama como eu
dessa serenidade tediosa. "Serenidade tediosa": assim chamo o que
sinto e que não me deixa sentir. Um não-sentir grave e incômodo que não me
deixa respirar e no entanto ainda vivo. Não quero. Não gosto. Prefiro a morte a
não poder viver a vida plena. Não sinto pouco: o meu sentir é em abundância e
eu quero parir.